terça-feira, 31 de outubro de 2017

A Associação da Indústria Papeleira (Celpa) especializou-se na produção de fake news

No comunicado emitido no passado dia 26 de outubro, relativo ao Relatório da Comissão Técnica Independente aos incêndios de Pedrógão Grande e Góis, a Associação da Indústria Papeleira (Celpa) veio aproveitar para procura ilibar o peso desta indústria na problemática dos incêndios rurais em Portugal. Convém, todavia, relembrar alguns aspetos fundamentais nesta problemática.


É unanimemente aceite que o problema dos incêndios rurais em Portugal é potenciado pelo desordenamento do Território e pela deficiente gestão da esmagadora maioria dos povoamentos de produção lenhosa. Todavia, é imperioso ir mais além, às causas desse desordenamento e de uma gestão de abandono.

Em concreto, há que questionar, para além das posições cimeiras em termos de poluição atmosférica e de contaminação do meio aquático em Portugal, qual o contributo da indústria papeleira para o desordenamento do Território e a má gestão das plantações de eucalipto no nosso país.


No caso do desordenamento, a aposta da indústria papeleira numa estratégia de crescimento em quantidade de área, não na qualidade unitária das plantações de eucalipto, é um indicador de que o discurso não assenta com a prática.

Importa averiguar os motivos associados ás pressões exercidas sobre as várias governações para a expansão em área das plantações de eucalipto. De que forma essa pressão não tem contribuído para diminuir a presença fiscalizadora do Estado no Território, bem como para a produção legislativa a contento. Neste último caso, há que relembrar todo o processo inerente à aprovação da “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” (o Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, continuado, no que de pior tem para o desordenamento, pela Lei n.º 77/2017, de 17 de agosto).

Não servirá esta estratégia da indústria papeleira, sobretudo, para garantir a perpetuação de preços baixos na aquisição de rolaria de eucalipto, face a uma crescente oferta, muito pulverizada e sem poder negocial?

A nossa preocupação não e tanto com a oferta, mas com os impactos ambientais, económicos e, sobretudo, sociais dessa estratégia. Essas consequências têm sido dramaticamente potenciadas em 2017.


No caso da gestão de abandono, que atinge cerca de 80% das plantações de eucalipto, para além dos discursos, qual tem sido o papel efetivo da indústria papeleira?

Não é a procura, fortemente concentrada, quem impõe unilateralmente os preços à oferta, perigosamente pulverizada?

Não será este um caso de funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita, dominados por um duopólio?

Se o preço unitário pago à oferta nacional fosse o mesmo que é pago pela madeira de importação, será que cerca de 80% das plantações de eucalipto estariam sobre uma gestão de abandono? Se na determinação do preço imposto à oferta estivessem refletidos os custos similares aos que a indústria papeleira assume nas suas próprias plantações, será que cerca de 80% das plantações de eucalipto estariam sobre uma gestão de abandono?


Quanto ao papel das espécies, a menção no comunicado ao início do incêndio de Pedrógão Grande chega a ser hilariante. Tendo em conta factos que, na sequência dos vários relatórios e posições, designadamente da EDP Distribuição, ainda estão por acertar, há algo que estatisticamente já não merece discussão. Ao contrário do que acontece com as galerias ripícolas, o potencial das plantações de eucalipto na problemática dos incêndios rurais em Portugal tem-se manifestado em perigoso crescimento.



Afinal de contas, qual a foi distribuição da área ardida por espécies no grande incêndio de Pedrógão Grande?


Quando um sector é incapaz de se autorregular, quer em termos de equilíbrio na distribuição da riqueza ao longo da cadeia produtiva, quer em termos de ocupação do Território, colocando pessoas e bens em risco, talvez não reste à Sociedade mais do que lhe impor regras, incluindo a proibição da sua expansão e a obrigatoriedade da sua contração ou deslocalização.


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