segunda-feira, 7 de março de 2016

Os eucaliptais em Portugal são seguros?

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O segundo conjunto relaciona-se com a expansão das plantações de eucalipto em Portugal.


1.     A expansão das plantações de eucalipto em Portugal tem enquadramento legal?

A Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República e que este ano comemora 20 anos sob a sua publicação, define na alínea a) do Art.º 3.º que as políticas tendentes ao aumento da produção, para além da expansão da área florestal, devem contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais, na ótica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade.

Só entre 1995 e 2015, a área de eucaliptal em Portugal teve um acréscimo de quase 100 mil hectares. Portugal dispõe hoje da quarta maior área de plantações de eucalipto a nível mundial, ou seja, dispõe de uma área superior à de Espanha e só superada pela Índia, pelo Brasil e pela China. O nosso país dispõe de uma área de plantações de eucalipto superior à da própria Austrália, país de onde é originário.

Todavia, neste período de tempo a produtividade permanece a níveis muito baixos, estimada em 6 metros cúbicos por hectare e ano, isto apesar do desempenho ocorrido ao nível das técnicas de melhoramento florestal nas últimas décadas, por exemplo, de clonagem. Este facto é sinal de problemas na gestão destas plantações, na componente técnica, mas sobretudo na vertente comercial.

Assim, tudo leva a crer que a expansão da área de eucaliptal, registada após 1996, carece de enquadramento na Lei de Bases da Política Florestal. Será por isso legal?



2.     As plantações de eucalipto em Portugal são adequadamente geridas?

De acordo com o último Inventário Florestal Nacional (IFN6), publicado em 2013, Portugal dispõe de uma área de 812 mil hectares de eucaliptal, o correspondente a 26% da área florestal nacional (em todo o caso, um relatório da Semapa, de 2006, assumia esta mesma área de eucaliptal, à altura, em 817 mil hectares).

Dos 812 mil hectares de eucaliptal registados oficialmente em Portugal:
  • Cerca de 93 mil hectares são mistos com pinheiro bravo, sinal de uma deficiente gestão;
  • Outros 70 mil hectares têm um coberto inferior a 50%, sinal de baixa produtividade e de uma ineficiente ou gestão ausente;
  • Aproximadamente 400 mil hectares apresentam uma densidade inferior a 600 árvores por hectare, sinal de gestão inadequada face ao uso que têm por destino; e,
  • Por fim, 100 mil hectares com apenas eucalipto (povoamentos puros) possuem árvores com idades superiores a 12 anos, indício de má ou inexistente gestão para o uso industrial politicamente protegido.

Ou seja, mais de 600 mil hectares de eucaliptal em Portugal apresentam sinais de gestão minimalista ou de abandono.


3.     Quais os riscos da má gestão dos eucaliptais em Portugal?

Uma gestão minimalista ou de abandono das plantações de eucalipto, por falhas de natureza técnica, consequência de problemas de natureza comercial, trás enormes impactos ao nível económico, ambiental e social, desde logo pelo risco de propagação de incêndios.

Entre 2000 e 2011, segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), 43% a área ardida em floresta ocorreu em eucaliptais. O eucalipto assume assim lugar cimeiro no que toca ao risco de incêndio em floresta.


A deficiente gestão dos eucaliptais tem ainda como consequência uma mais fácil proliferação de pragas e de doenças, nalguns casos sem controlo e com “importação” de agentes biológicos exóticos para luta biológica, com consequências por apurar ao nível dos nossos ecossistemas.

Estes riscos têm maior destaque nas regiões onde predomina o minifúndio, ou seja, no Centro, no Norte e no Algarve. Curiosamente, onde existe maior pressão ao nível das arborizações e rearborizações com esta espécie lenhosa. Não é um bom sinal para a Sociedade.


4.     A quem serve o negócio silvo industrial associado às plantações de eucalipto?

Depreendendo da deficiente gestão da grande maioria dos eucaliptais nacionais, o negócio associado ao uso desta espécie está fortemente condicionado ao nível da lavoura.


Na componente silvícola deste negócio parece que nem para as empresas industriais merece interesse financeiro. Só entre 2002 e 2011, as empresas da indústria de pasta celulósica e papel abandonaram a sua presença nos eucaliptais em mais de 33 mil hectares (muito embora o responsável de uma delas tenha vindo a público, em maio de 2012, exigir mais 40 mil hectares para viabilizar um aumento da sua capacidade industrial). 


Tudo leva a crer que estas empresas optaram por uma transferência do risco para os proprietários familiares. O problema é que, face ao risco associado à deficiente gestão, a própria Sociedade será penalizada por esta estratégia industrial.

Tendo em conta:
  • A imposição pela procura, politicamente protegida, dos preços à oferta;
  • A exigência do aumento de uma oferta de risco, politicamente assegurada, associada sobretudo às arborizações e rearborizações em minifúndio, onde os proprietários têm tradicionalmente menor capacidade negocial,

Tudo aponta para uma campanha do eucalipto (por analogia com a campanha do trigo), ou seja, de uma utilização egoísta, sob proteção política, quer da lavoura, quer do território e, pelos riscos que aporta, da própria Sociedade, para benefício de acionistas (ditos industriais, mas, na realidade, semi-industriais em fuga à concorrência).


5.    Face à área já existente, como tornar seguras estas plantações?

As plantações de eucalipto localizam-se esmagadoramente em propriedade privada familiar. Geram segurança aquelas que potenciem um rendimento que permita suportar uma gestão profissional e uma subsequente melhoria da produtividade.

Os passos para a segurança destas plantações passam:
  • Por uma urgente intervenção estatal nos mercados, já que estes funcionam hoje em concorrência imperfeita, com danos graves para a Sociedade;
  • Pela disponibilização de capacidade técnica aos produtores, preferencialmente assente nas suas organizações, através de um serviço nacional de extensão florestal;
  • Pelo desenvolvimento de novos mercados para a madeira de eucalipto, promovendo a concorrência ao nível da procura; e,
  • Pelo fomento do autoabastecimento industrial, designadamente pela criação de uma taxa de reposição do coberto florestal de terceiros, a cobrar à procura, de valor acrescido para as rearborizações com eucalipto.

Esta taxa de reposição do coberto florestal de terceiros, alargada a outras fileiras, pode servir de receita para o Fundo Florestal Permanente no apoio ao associativismo florestal, concretamente para funcionamento do serviço de extensão florestal.


As plantações de eucalipto em Portugal podem servir a vários mercados, seja o papeleiro, ou da produção de celulose para a indústria têxtil, seja para a produção de biomassa para energia ou de carvão vegetal, ou, com maior valor acrescentado, na produção de madeira para a construção e para mobiliário.

O uso desta espécie não está por isso sequestrado a um único destino, embora façam crer do contrário. Agora, num país essencialmente com plantações privadas não industriais, o uso desta espécie está necessariamente vinculado ao rendimento que possa gerar, caso contrário os riscos destas plantações convertem-nas num elevado problema para a Sociedade.

Não há negócios com base no eucalipto responsáveis sem plantações sustentáveis. Hoje não o são.


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