segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Porque somos contra os apoios financeiros públicos à certificação florestal?

O Estado Português definiu medidas de apoio financeiro público a investimentos imateriais no âmbito de processos de certificação florestal (via PDR 2020),

A certificação florestal é um instrumento de mercado que assenta no pressuposto de que os consumidores reconhecem e valorizam, pelo acréscimo de preço, produtos de base florestal, seja uma resma de papel, um móvel da sala ou uma rolha da garrafa de vinho, entre outros, sobre os quais, entidades e sistemas de certificação, lhes dão garantias de serem provenientes, na sua totalidade ou em parte, de áreas submetidas a uma gestão florestal sustentável.

Em Portugal, existem dois sistemas internacionais de certificação florestal a operar:
·         O Forest Stewardship Council (FSC), representado pela Associação para uma Gestão Florestal Responsável (AGFR); e,
·         O Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC), representado pela associação Conselho da Fileira Florestal Portuguesa (CFFP).

Porque somos contra o apoio financeiro público à certificação florestal?

A.   Por duplo tributo. Sendo um instrumento de mercado, suportado em acréscimo de preço pelos consumidores face a contrapartidas por estes reconhecidas, não faz sentido que os mesmos suportem duplamente esse reconhecimento, desta feita como contribuintes. Este duplo tributo desvirtua o compromisso entre a cadeia florestal e o consumidor, a menos que o produto, cujo sistema e entidades de certificação sejam objeto de apoio financeiro público, surja no mercado a preço idêntico a um concorrente não certificado.
B.   Por financiamento indireto à indústria. Sendo o sistema de certificação florestal suportado financeiramente pelo consumidor final, um apoio financeiro público surge como um indicador de que a mais valia reconhecida ao produto certificado, pelo acréscimo de custo, não é distribuída ao longo da sua cadeia produtiva de forma justa, concretamente face aos custos e riscos assumidos pelas partes intervenientes. Ora, os contribuintes não devem ser chamados a suportar desequilíbrios entre os agentes económicos das fileiras florestais, esse papel compete às autoridades, através do acompanhamento dos mercados. A manter-se este apoio financeiro público ele é um claro financiamento indireto à indústria florestal, a partir de um instrumento financeiro de apoio à produção florestal.
C.   Por desresponsabilização do Estado. O apoio financeiro público à certificação florestal pode ainda ser considerado uma forma de desresponsabilização do Estado, nas suas obrigações face à gestão florestal sustentável, decorrentes inclusive de compromissos internacionais, através de transferência das mesmas para entidades privadas de credibilidade discutível.

Reconhecendo o esforço meritório de algumas organizações de produtores florestais na implementação de sistemas de gestão florestal sustentável, tendo em vista também a sua certificação, em geral as mesmas que têm maior intervenção na defesa do rendimento dos seus associados, não deixa de ser discutível a credibilidade dos sistemas de certificação florestal num país em desflorestação, em perda sistemática de área líquida de florestas. 


Colocam-se por isso, ainda, as seguintes questões?

1.    Como convive a credibilidade dos sistemas de certificação florestal num país que perde em média 10.000 hectares de floresta por ano desde 1990?
2.    Como convive a credibilidade dos sistemas de certificação florestal num país onde não é cumprida a Lei de Bases da Política Florestal, nem são sistematicamente atingidas as metas mínimas definidas na Estratégia Florestal Nacional?
3.    Como convive a credibilidade do FSC e do PEFC num país em desflorestação, com perda de área líquida de florestal, mas em que as florestas autóctones têm vindo a ser crescentemente substituídas por plantações de exóticas invasoras? O facto é que Portugal detém atualmente uma maior área de plantações de eucalipto do que Espanha (em 2010, de 812.000 hectares face a 759.778 hectares), assumindo já a 4.ª maior área neste domínio a nível mundial. E tudo isto para um uso exclusivo protegido pelas várias governações, a produção de celulose para pasta e papel.


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

FLORESTAS: Balanço de 2015

Para o presente ano, a Acréscimo mantém o enunciado em balanços de anos transatos. Não se registaram alterações para a inversão de um rumo de declínio nas florestas portuguesas. Existem, todavia, cinco aspetos que importa realçar em 2015.

1.    No presente ano foi reconhecido, a nível mundial, a situação ímpar de Portugal como o país com o mais grave caso de desflorestação no continente europeu. As Nações Unidas revelam, no palco internacional, o que já era conhecido no plano interno. No período compreendido entre 1990 e 2015, o País perdeu mais de 150 mil hectares de área líquida de floresta. Sabemos ainda que, nesse período, o sector silvo-industrial português perdeu mais de 150 mil postos de trabalho, e que se agravaram as situações respeitantes ao êxodo rural, à delapidação dos recursos naturais, à depreciação do território e ao avanço da desertificação. O impacto nas exportações é imprevisível.

2.    No decurso da Conferência de Paris, a 6 de dezembro último, foi igualmente anunciada a queda de posição de Portugal no que respeita ao Índice de Desempenho de combate às Alterações Climáticas (Climate Change Performance Index). A queda de 10 posições face a 2014, de 9.º para 19.º, decorre de uma forte penalização das emissões, associadas à deflorestação e à degradação da floresta, devido aos incêndios. Portugal passou de uma classificação “boa” para “moderada”.

3.    A ação governativa, como em anos anteriores, não passou de folclore mediático. Não ocorreram as imprescindíveis alterações aos vícios nos mercados. Mantiveram-se as periódicas falhas no financiamento às equipas de sapadores florestais, com impacto especialmente inadmissível em período estival. Foi fomentado o investimento de risco. Não foi sequer demonstrada capacidade mínima para a conclusão de regulamentação da Lei de Bases da Política Florestal.


4.    O País ficou também a conhecer em 2015 as acusações formuladas nos Estados Unidos da América contra o terceiro maior exportador nacional, o maior no que respeita a bens de base florestal. Tais acusações respeitam a alegadas práticas imorais nos mercados, naquele que é um importantíssimo destino das exportações portuguesas. As acusações visam o mesmo grupo empresarial que entre 2010 e 2014, soube-se em 2015, foi beneficiado pelo Estado Português em mais de 94 milhões de euros, só no que respeita a Benefícios Fiscais. Tal montante poderia ter sido canalisado para o investimento florestal, compensando uma parte da perda líquida de área florestal registada desde 1990. São opções das governações em Portugal!

5.    Em 2015, reside ainda a suspeita de que Portugal terá passado a dispor da 4.ª maior área de eucalipto plantado do mundo. Ultrapassou já Espanha neste “ranking”. Todavia, a produtividade média por hectare manteve-se igual à registada na década de 30 do século passado, revelando uma aposta única na quantidade em área. No período de 1990 a 2015, o valor pago por metro cúbico de madeira de eucalipto, à porta das fábricas, contraiu significativamente. Mas, os custos da gestão do eucaliptal têm sofrido avultados aumentos, seja nos custos com pessoal, ou nos custos com energia e combustíveis. Os efeitos na gestão do eucaliptal são muito negativos, sobretudo nas regiões de maior risco associado ao investimento florestal. Com a aprovação do Decreto-lei n.º 96/2013, de 17 de julho, a perpetuação desta situação pode estar assegurada para os próximos tempos, com o aumento de uma oferta de risco crescente, mas a baixos preços perpétuos para a indústria papeleira.

A grande novidade em 2015 decorre de não restarem dúvidas de que Portugal é um país em desflorestação e que se tornou numa “seara” da Portucel Soporcel.

Em todo o caso, estamos agora perante um novo ciclo político, como o estivemos em 2011, esperemos não nos voltarmos a desiludir. Para já mantemos alguma esperança, reservada, muito reservada.


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ciclos eleitorais e ciclos florestais

A tomada de posse do XXI Governo Constitucional marca o início de um novo ciclo eleitoral e o final de outro. Os ciclos florestais são mais longos e aportam hoje elevados riscos sociais, ambientais e económicos.


Luís Capoulas Santos, Ministro da Agricultura do XXI Governo Constitucional

O ciclo eleitoral que agora finda foi marcado pela fusão de dois organismos da Administração Pública, que haviam sido objeto de cisão há 40 anos atrás. Não se vislumbraram benefícios para a Sociedade desta fusão, nem ao nível da Conservação da Natureza, nem das Florestas. Depois de alguns “fogachos”, rapidamente “extintos”, como a conclusão do cadastro rústico, a alteração do Código do IRS, a fiscalidade verde (que de “neutra” não passou de um zero no que às florestas respeita) ou a mobilidade no mercado de solos florestais (a bolsa de terras resume-se praticamente ao refugo da EDIA e aos pedregulhos da Lazer & Floresta), muitas medidas ocorreram tardiamente e aos soluços, como o apoio às Zonas de Intervenção Florestais ou ao Programa de Sapadores Florestais. Não se vislumbrou qualquer estratégia digna desse conceito. O “desenho” dos apoios financeiros públicos seguiu o de programas anteriores, com as consequências destrutivas conhecidas. Não houve intervenção ao nível dos mercados de produtos florestais, lesando conscientemente a atividade silvícola. Muito pelo contrário, a legislatura foi sim marcada pela persistência na subserviência aos interesses egocêntricos da indústria papeleira, com a garantia, dada através do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 17 de outubro, da manutenção dos preços baixos à porta da fábrica, pelo fomento de uma oferta de qualidade e segurança duvidosas, em especial em regiões de elevado risco de incêndio. A legislatura fica ainda marcada, embora sem responsabilidade politica direta, pela abertura de um processo por suspeita de “dumping” à principal exportadora nacional de produtos de base florestal.

O ciclo que agora finda ficou ainda marcado, no que à Acréscimo respeita, pela incapacidade em dar resposta a um conjunto de questões simples que haviam sido colocadas por esta associação aos responsáveis políticos do Ministério da Agricultura.

Se a herança era má, o ciclo eleitoral que agora finda não a alterou, piorou. Portugal é hoje o único país do continente europeu com perda líquida de área florestal. Esta situação de desflorestação, reconhecida pela FAO, coloca em causa a sustentabilidade das exportações de base florestal. As exportações florestais portuguesas estão hoje associadas a uma elevada depreciação dos recursos naturais e do Território.

A Acréscimo admite que as suas expetativas para o novo ciclo eleitoral não são elevadas, temendo a manutenção do processo de declínio progressivo da atividade silvícola. Importa ter em conta que, com a sua cota parte de responsabilidade, embora muito condicionada pela herança recebida, o anterior mandato do ministro Capoulas Santos, entre outubro de 1998 e abril de 2002, coincidiu, de acordo com as Contas Económicas da Silvicultura, publicadas anualmente pelo INE, com a mais abrupta queda no rendimento empresarial líquido na silvicultura. Ora, floresta privada sem rendimento é sinal de gestão florestal inadequada e, consequentemente, de maior risco de propagação de incêndios e proliferação mais facilitada de pragas e de doenças. Em todo o caso, temos presente o posterior desempenho politico, internacionalmente reconhecido, do futuro titular do Ministério que detém a tutela das Florestas. De momento, a Acréscimo saúda a nomeação de um novo secretário de Estado para as Florestas



Para o ciclo eleitoral que agora inicia e tendo por enfoque a sustentabilidade dos ciclos florestais atuais e futuros, a Acréscimo insiste, para uma mudança, verdadeiramente assumida e credível, na necessidade de acompanhamento pelo Estado dos mercados de produtos florestais, na carência de um serviço de extensão, de cariz público ou privado sob supervisão pública, bem como no esforço da Investigação na adaptação da formula do rendimento florestal às novas exigências sociais e ambientais, apostando em novos mercados, mais sustentáveis, e transferindo no tempo uma situação de subsidiodependência para outra de pagamento por serviços prestados pelos proprietários florestais à Sociedade. Num País essencialmente de floresta privada, as medidas e instrumentos de politica florestal não se podem centrar nas espécies vegetais ou em estratégias industriais, têm de ter na sua base as famílias e comunidades detentoras da maioria esmagadora dos espaços florestais em Portugal. Quanto à estratégia florestal, se não for definida no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento rural, ajustável aos programas públicos de apoio financeiro e fiscal, centrada nas pessoas e num plano político parlamentar, será sempre coxa.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A “estória” do cadastro rústico e as florestas

O cadastro rústico não é diretamente um instrumento de politica florestal, é o sim de politica de ordenamento do território. Mas, como será possível desenvolver sustentada e sustentavelmente medidas e instrumentos de política florestal sem um conhecimento mínimo do seu principal grupo alvo?


Passou mais uma Legislatura, estamos no início de uma nova. Depois de na anterior um responsável governamental tem mencionado que seria um falhanço se o cadastro rústico não tivesse sido concluído até final do mandato, o facto é que não o foi. Falharam.


Pior. A problemática da conclusão (e já agora, da atualização) do cadastro rústico voltou a estar atribuída a uma comissão. Ou seja, é para adiar. Voltou-se à fase dos projetos piloto, outro embuste sinónimo de adiamento.

Enquanto isso, a prossecução de uma política florestal em Portugal continua coxa. O principal público alvo dos instrumentos e das suas medidas continua por caraterizar (e aqui há que ir além do cadastro).

Mesmo na atribuição de subsídios às florestas, o desempenho fica sempre muito aquém do planeado. Sempre. Entre o planeado e o executado fisicamente, no terreno, vão diferenças abismais. Pior, não há garantias de segurança para o financiamento público concretizado.

Portugal suporta hoje o único caso de desflorestação na Europa (na apenas na União Europeia). Este, mais do que um mero falhanço interno, é uma falha grave no plano internacional, face aos compromissos que o País assumiu a este nível.

Pior, esta situação de perda de área líquida de ocupação florestal ocorre após um período de máximo apoio dos contribuintes ao setor, seja através de subsídios às florestas, seja de benefícios fiscais às industrias florestais. Maior o apoio público, pior floresta?

A atividade silvícola em Portugal confronta-se com vários problemas graves, um de rendimentos, ou de mercados, outro decorrente da falta de assistência técnica, ou melhor, de extensão, outro de não se saber quem é quem numa mancha florestal que é em mais de 90% detida por privados, maioritariamente famílias e empresas familiares, e por comunidades rurais. Vivemos de estimativas.

Curiosamente, já antes haviam sido cabimentadas verbas, fundamentalmente em fundos comunitários, para a resolução do problema do cadastro rústico. Cabimentadas foram, concretizado o objetivo é que não. Mas, as verbas tiveram destino.


Em Portugal poderemos continuar a ter por enfoque as espécies florestais na definição de medidas e de instrumentos de política. Contudo, sem ter um adequado conhecimento dos detentores das áreas florestais, sobretudo nas regiões onde estas apresentam maior risco, dificilmente conseguiremos contrariar o fenómeno de desflorestação que hoje vivenciamos. Para uma mudança, a concretização do cadastro rústico é essencial. Este objetivo não é concretizável num curto espaço de tempo, mas há que lhe dar início, todavia sem subterfúgios de comissões e projetos piloto.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Há na Europa um único país em desflorestação

De acordo com um recente relatório publicado pela FAO, Portugal é o único país da Europa com perda líquida de área florestal. Mas, será que é só o arvoredo que Portugal tem em perda?


O relatório da FAO revela a nível internacional a situação já conhecida através do último Inventário Florestal Nacional. Não há novidade portanto no plano interno, se bem que nada de concreto tenha resultado em termos de mudança de política. Mas, no plano externo fica ferida a sustentabilidade dos recursos florestais nacionais, com os impactos comerciais que daí possam resultar.

Associada na maior parte à perda de área de pinhal bravo, resultante sobretudo da fácil propagação dos incêndios e da incontrolada proliferação de pragas e doenças, a desflorestação em Portugal decorre de um inadequado modelo de gestão florestal, o abandono, o qual tem na base um declínio acentuado no rendimento da silvicultura.

A Acréscimo tem alertado para o facto de ser impossível assegurar a sustentabilidade de floresta privada sem rendimento, e este gera-se sobretudo nos mercados. Poderá o país continuar a derramar subsídios sobre as florestas, a demonstrar até a mais nobre das preocupações sobre as catástrofes estivais que sacrificam arvoredo, animais e as populações rurais, em muitos casos involuntariamente estimulados pelos próprios subsídios. Pode inclusive, e com razão, considerar que o modelo de gestão que vigora em grande parte das áreas florestais nacionais, sobretudo nas regiões de maior risco, não é o adequado. Todavia, o essencial do problema não tem sido posto em causa: os mercados e o seu funcionamento. Importa ter em consideração que existem no sul da Europa extensas áreas de pinhal que, apesar dos inconvenientes vários da monocultura, não arde. Não arde por uma razão de base, são áreas privadas submetidas a gestão profissional. São geridas por uma razão simples, geram rendimento que permite suportar os custos dessa gestão (e até o cofinanciamento de corpos profissionais de bombeiros florestais).

Não vale a pena continuarmos a enganar-nos com PDR2020 e outros financiamentos públicos. Nunca antes, como no período 1990-2015, as florestas nacionais usufruíram de tanto apoio dos contribuintes, também nunca ardeu tanto como neste período.

Mas não é só arvoredo que o país perde. O valor económico das florestas decresceu a pique, mas com ele contraiu ainda mais o emprego no setor, para não argumentar com o impacte ambiental resultante destas perdas.

Se o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura sobre o VAB nacional contraiu dos 1,2% em 1990 para os 0,5% em 2013 (última publicação das Contas Económicas da Silvicultura pelo INE), o emprego no setor florestal (silvicultura, indústrias florestais e serviços) era avaliado em mais de 250 mil postos de trabalho em 1993, situando-se agora abaixo dos 100 mil.

Será sustentável a atual situação das florestas e do setor florestal em Portugal?

Fonte: FAO;Global Forest Resources Assessment 2015

A mudança, se o país a quiser verdadeiramente operar, não pode excluir, como até aqui, uma intervenção oficial nos mercados (e não é através de plataformas de acompanhamento). Não será o único tópico a ter em consideração, mas é o de base num país em que mais de 90% das áreas florestais estão na posse de entidades não públicas, essencialmente famílias, empresas familiares e comunidades rurais.

A Acréscimo, na sequência da publicação do relatório da FAO, vai insistir junto do Poder e dos Partidos Políticos para a necessidade de adequar a visão para as florestas portuguesas à sua realidade no meio rural nacional e às mais valias que a mesma pode e deve aportar às gerações futuras. Para o efeito, apresentará propostas concretas para uma mudança. Assim as queira ter em conta.

A atual realidade da floresta em Portugal não é sustentável. Os decisores políticos tem evitado tomar as medidas necessárias para garantir a sustentabilidade deste importante recurso natural renovável. A intervenção junto dos mercados é a medida de base. Sem rendimento não é possível gerir, sem gestão não haverá como proteger floresta privada. No final perdemos todos (ou quase todos).


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Eleições e florestas


Antes de analisar as propostas para as florestas que se apresentam em 2015, importa analisar o que foi proposto em 2011 e o que foi realizado entre 2011 e 2015.

Serão grandes as diferenças entre o proposto e o realizado? Ora vejamos.

No programa eleitoral do PSD constava:

“O PSD estimulará o aproveitamento do potencial do sector florestal, através da dinamização do cluster da pasta de papel e mobiliário, bem como através do aproveitamento dos resíduos florestais para a produção de energia (biomassa). Por outro lado, o PSD elaborará um levantamento das doenças fitossanitárias mais comuns e em expansão nas nossas florestas.

O abandono da actividade agrícola e florestal dos últimos anos contribuiu, em parte, para um dos maiores flagelos do nosso país, os incêndios florestais. O PSD entende que medidas que atraiam o investimento na agricultura e na floresta podem contrariar a tendência de abandono do mundo rural, diminuindo a área ardida anualmente. Neste sentido, serão estudadas e implementadas fórmulas de concessão de exploração a privados de certos segmentos da floresta.”

O CDS-PP fez constar no seu programa eleitoral:

“É tempo de quebrar os ciclos viciosos que persistem na nossa floresta (fraccionamento, gestão, incêndios e doenças). Assim, o fraccionamento que leva ao abandono só pode ser contrariado através do associativismo florestal, do emparcelamento funcional e da gestão colectiva (gestão condominial): é preciso redinamizar as ZIFs com consistência e atractividade.

O cadastro florestal é indispensável e tem que ser feito. É preciso criar um mecanismo de segurança e de gestão de riscos, com o apoio da União Europeia e em conjunto com as seguradoras, para reduzir substancialmente os riscos de incêndios florestais. Finalmente, tem que se fazer do declínio dos povoamentos suberícolas e do combate ao nemátodo do pinheiro verdadeiras prioridades.

O potencial do sector florestal está claramente subaproveitado e é inaceitável o grau verdadeiramente residual de aproveitamento das medidas do PRODER para a floresta.”


E o programa eleitoral do PS mencionava:

“Na fileira florestal:

a)     promover o associativismo florestal e a certificação florestal sustentável, fomentando a criação de riqueza e de postos de trabalho nos territórios rurais;
b)     apostar na floresta irrigada em zonas de regadio subaproveitadas, para a garantia do aumento da matéria-prima para a indústria da madeira e da pasta de papel;
c)     valorizar a actividade cinegética;
d)     continuar a apoiar a criação de Zonas de Intervenção Florestal, concretizando 1 milhão de hectares até 2013.”

Tiremos as nossas conclusões.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A inauguração de um viveiro florestal em África

A propósito da inauguração do viveiro florestal do grupo Portucel Soporcel em Moçambique, na passada semana, terão sido tecidos vários comentários que geram grandes preocupações.

Desde já se espera que neste investimento do grupo em Moçambique tenham sido criadas oportunidades a fornecedores nacionais, estimulando a transferência de tecnologia nacional e fomentando o emprego mais qualificado em Portugal. Esta oportunidade corresponde aliás à contrapartida esperada face aos benefícios fiscais de que o grupo goza por parte do Estado Português.

Pelos montantes financeiros anunciados, a aposta em Moçambique parece corresponder à concretização de um investimento antes falhado no Brasil. Ao que tudo indica por incapacidade em usufruir de terra para o cultivo de eucalipto neste último país. Em todo o caso, independentemente do local, a concretização do investimento pode aportar bons resultados aos acionistas, esperemos que com retorno para Portugal.

Todavia, subjacente à inauguração e segundo a Imprensa, o presidente do grupo terá tecido comentários que geram grande preocupação.

Por um lado, não se entende se o investimento em curso em Moçambique é alternativo ou complementar ao investimento que o grupo anunciou para Portugal em maio de 2012. Pelos produtos a fabricar, apenas pasta de celulose, e pelos mercados a que se destinam, sobretudo na Ásia, parece complementar. A ser assim não se justificam as desprestigiantes lamúrias pela opção por aquele país face a Portugal.

Por outro lado, o responsável parece apontar para a necessidade de maior área de eucaliptal em Portugal para um maior investimento do grupo no nosso país. Estranha-se esta afirmação, já que a indústria de celulose em Portugal se desfez, nos últimos anos, de mais de 30 mil hectares só de eucaliptal. Reforça-se, não está em causa a transferência de áreas de menor para outras de maior produtividade. Os dados anunciados pela associação deste sector apontam para um efetivo desinvestimento na floresta portuguesa. Quer-se mais em discurso, mais opta-se por menos nos factos.

A estranheza adensa-se já que, de acordo com o senso comum, a gestão florestal por parte destas empresas é melhor e gera menos riscos à Sociedade do que a gestão que é possível concretizar por parte dos seus fornecedores privados, essencialmente famílias e empresas familiares, limitados estes últimos pela imposição dos preços de aquisição de rolaria de eucalipto por parte das celuloses. Salienta-se que esta definição unilateral dos preços pela indústria é protegida pela governação do país.

Mais. Por pressão do grupo, o governo alterou em 2013 a legislação que impunha algumas restrições legais ao desenvolvimento da cultura do eucalipto em Portugal. Fê-lo partindo de uma proposta do próprio grupo. Não se entende pois de que se queixa este responsável já que o eucalipto assume hoje o lugar cimeiro, em área ocupada, no conjunto das espécies florestais em Portugal, atingindo próximo de um milhão de hectares. Aliás, Portugal ocupava, em 2006, o quinto lugar a nível mundial com área destinada a eucaliptos (porventura, com a redução de área em Espanha e aumento em Portugal, poderá ocupar agora o quarto lugar). Afinal de contas, tudo aponta para que o aumento da capacidade do “armazém” para usufruto da empresa tem progredido a seu favor no nosso país.


Mas o que mais preocupa é o facto destas afirmações de lamúria precederem historicamente a apresentação de cadernos reivindicativos por parte do grupo à governação.

Foi assim aquando do governo do primeiro-ministro José Sócrates para a criação de favores à instalação da fábrica de papel em Setúbal, como se este não fosse o local, no mundo, mais favorável à empresa para este tipo de investimento. Consta ainda no programa eleitoral do Partido Socialista de 2011 a eventual afetação de áreas de regadio, suportadas por todos nós para a produção agroalimentar, à cultura do eucalipto.

Foi assim, mais recentemente, no governo do primeiro-ministro Passos Coelho, para a alteração da legislação mais restritiva a esta cultura, com o objetivo de, pelo aumento desordenado da oferta, perpetuar o condicionamento de preços à produção. Uma “excelente” prestação da ministra da Lavoura. Importa ter presente que, esta estratégia não condiciona apenas o rendimento aos proprietários florestais, gera em consequência uma gestão florestal de abandono, com destaque para as áreas de minifúndio, as que apresentam maior risco de catástrofe económica, social e ambiental. Ora, este facto já nos diz respeito a todos nós, pagamos caro as consequências.


A Acréscimo condena a prossecução de uma estratégia de Calimero por parte do responsável do grupo Portucel Soporcel. Gostaria ainda que fosse do conhecimento público a situação respeitante às contrapartidas à alteração da legislação que afeta a cultura do eucalipto em Portugal, operadas sob a égide da ministra Assunção Cristas, designadamente sobre os 15 mil postos de trabalho que iriam ser criados. Ao contrário do senso comum, a Acréscimo tem ainda levantado questões sobre a qualidade da gestão florestal do grupo, aguardando a disponibilidade deste para a realização de visitas especializadas conjuntas.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A floresta portuguesa como “oportunidade”

As florestas entraram na campanha eleitoral de forma enviesada. É certo que urge uma resposta nacional à maior migração do pós II Guerra Mundial, mas as florestas portuguesas estão longe de ser o local para o usufruto de uma “oportunidade” que possa resultar desta catástrofe humanitária.


O problema das florestas portuguesas, em mais de 90% privadas, não é de falta de mão de obra não qualificada. É sim de falta de rendimento. Para tal, atuais e antigos governantes têm forte responsabilidade, muita dela resultante do protecionismo a interesses financeiros a jusante da atividade silvícola.

A ideia, transmitida por responsáveis políticos, de que limpar as florestas é como limpar o pó em casa resulta de ignorância ou de oportunismo. A limpeza de florestas é uma operação especializada que envolve a intervenção de técnico e operadores qualificados. Todavia, o envolvimento destes profissionais está e estará sempre condicionada pelo rendimento que as florestas geram.




Com soluções para um adequado rendimento nas florestas e com a qualificação das pessoas para nelas intervir profissionalmente, ai sim, as florestas podem vir a gerar o suporte financeiro para muitas das famílias nacionais e de migrantes no interior desertificado de Portugal.


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Condenação da Portucel pela prática de “dumping”

A Direção da Acréscimo recebe com grande preocupação as recentes notícias que dão conta da condenação do Grupo Portucel Soporcel pela prática de “dumping” por parte do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, situação que em nada favorece a boa imagem que todo um setor económico pretende vincar no plano internacional.

Uma condenação pela prática de vendas abaixo do custo é frequente em empresas de outros continentes, designadamente onde as práticas de responsabilidade social são menos prezadas, não é aceitável numa empresa europeia.

Teme-se que a posição assumida pelas autoridades norte-americanas possa afetar a imagem do setor florestal português e, mais ainda, o da floresta portuguesa, já de si vítima de um processo de desflorestação, da queda acentuada de valor económico e da abrupta derrocada do seu peso social registados nas últimas décadas.

Propagandeado como um ícone de gestão empresarial e florestal, o grupo tem exercido uma influência decisiva na definição da política florestal em Portugal nas últimas legislaturas. Muito para além do aceitável.

Não partilhando da visão atualmente vigente para o desenvolvimento do setor florestal em Portugal, a Acréscimo considera que existe lugar no País à produção de pasta e papel e à cultura do eucalipto. Não pode é o País submeter-se aos caprichos financeiros da indústria papeleira, nem afetar a cultura do eucalipto ao uso em exclusividade por um subsetor industrial, mais ainda se com práticas de mercado impróprias.

O grupo tem ainda usufruído, a cada ano e por motivos muito discutíveis, de avultados milhões de euros a título de benefícios fiscais concedidos pelo Estado Português. Porventura, tais “facilidades” por parte do Orçamento de Estado podem estar a retirar racionalidade económica à gestão do grupo, podendo mesmo ocasionar a prática de atos de gestão moralmente condenáveis.





Na sequência da decisão do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, será expectável que o Estado Português, através das autoridades competentes, investigue as práticas de mercado levadas a cabo pelo grupo Portucel Soporcel em Portugal. Será o desejável para a empresa, para o setor florestal e para o próprio Estado na sua obrigação de defesa dos superiores interesses nacionais.




segunda-feira, 8 de junho de 2015

Certificação, hipocrisia e florestas

João Ferreira do Amaral, presidente da AIFF, Associação para a Competitividade da Indústria da Fileira Florestal, veio recentemente a público anunciar que a área florestal em Portugal tem vindo a diminuir nas últimas décadas. A Acréscimo entendeu a mensagem subjacente ao anúncio do presidente da AIFF.


O presidente da AIFF aparenta andar distraído, o facto que aponta em 2015 é conhecido há anos. Mas, vamos dar mais umas informações que nos parecem relevantes, estas do lado da indústria florestal:
  • O peso do emprego na indústria florestal tem decrescido abruptamente nas últimas décadas, de mais de 250 mil postos de trabalho na década de 90 do seculo passado, para menos de 100 atualmente:
  • O peso do setor florestal nas exportações também, dos 12% do início da década de 90 do seculo passado, para perto de 9% atualmente; mais,
  • O peso da indústria florestal no PIB nacional tem decrescido substancialmente nas últimas décadas.

Importará é questionar o porquê da contração da área florestal nacional.
  • Temos tido uma política florestal que salvaguarde a floresta nacional, essencialmente privada, por forma a garantir a sustentabilidade de um setor silvo-industrial em Portugal?
  • Os instrumentos e medidas de política florestal em Portugal têm contribuído para o crescimento do rendimento da atividade silvícola, permitindo assegurar uma ajustada gestão florestal (nas suas vertentes técnica, comercial e ambiental) e assim melhorar a produtividade e assegurar uma adequada resposta à procura de produtos florestais?
  • Tem havido um regular e transparente funcionamento dos mercados de bens florestais, ou algumas empresas industriais, com a proteção governamental, tem determinado a “regras do jogo”?


Uma coisa sabemos: uma floresta que gera rendimentos aos seus proprietários, em que o Estado assegure funções claras de regulação dos mercados, não estará sob risco de abandono. Ou melhor, sob risco de os seus proprietários adequarem a gestão dos seus espaços florestais às expectativas de rendimento que nestes possam ser gerados. Alguns iluminados chamam a isso de abandono. Iluminados ou interesseiros do lado da procura?

Também sabemos que, num país onde esse rendimento é condicionado pela procura, onde os governos protegem oligopólios, acabam por ser os contribuintes a pagar a fatura dos riscos e a suportar forçadamente negócios industriais (acabam por ser seus acionistas à força).



A mensagem do presidente da AIFF tem alegadamente por base, não o desconhecimento dos factos, mas a sua manipulação. O que o presidente da AIFF parece pretender é chamar os contribuintes a pagar uma fatura que os proprietários florestais têm manifestado reservas em pagar: a certificação florestal. A certificação florestal deveria beneficiar todas as partes, mas ao que parece não beneficia uma delas, a dos proprietários florestais. Daí o apelo aos contribuintes, reclamando ao Governo a afetação de ajudas públicas para suportar um negócio com um só vencedor. Não, não são os proprietários florestais, nem tão pouco os contribuintes.

A “ameaça” latente sobre o recuo da área florestal nacional será sempre inadmissível. Parece servir apenas para lembrar os “pecadores” que há que pagar a “dízima”. Assim, ficarão libertos dos seus “pecados”. E alguns especuladores financeiros mantêm seguras as distribuições de dividendos aos seus acionistas (ou melhor, a alguns deles, não a nós contribuintes).

A Acréscimo manifestou anteriormente total discordância com a afetação, anunciada pelo governo, de fundos públicos (via PDR 2020) a um negócio que se deve desenvolver apenas entre privados, o da certificação florestal. Não há justificação para apelar ao apoio dos contribuintes num negócio que já suportam como consumidores (quando voluntariamente optam por adquirir bens de base florestal certificados).


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Certificação florestal: negócio privado transparente?

A gestão florestal consiste na aplicação de princípios e metodologias de caráter técnico, comercial, ambiental e social a uma determinada superfície florestal, seja uma propriedade ou um conjunto de propriedades. O objetivo de concretização de uma adequada gestão florestal é determinado, mais ainda em floresta essencialmente privada, pelas expetativas de rentabilidade que, ao longo do tempo, a produção de bens e a prestação de serviços possa gerar a partir dessa superfície. O negócio privado da certificação florestal não garante uma adequada gestão florestal, é tão só um elemento que, a par de outros, muitos da responsabilidade do Estado, evidencia que uma determinada superfície é adequadamente gerida, sobretudo no plano ambiental. Mas, será essa evidenciação transparente?

A Acréscimo tem vindo desde 2013 a suscitar a visita a locais de floresta certificada, especificamente onde são aplicados resíduos industriais. Em causa estão áreas certificadas de um operador silvo-industrial nacional. Até agora não teve sucesso.

A aplicação de resíduos industriais em áreas florestais pode aportar, se inadequadamente gerida, problemas vários, incluindo de Saúde Pública.

A certificação florestal assenta na realização de auditorias periódicas às entidades que voluntariamente recorreram à certificação. A par do que aconteceu na banca ou com grandes grupos empresariais, também na certificação florestal se pode assistir ao mesmo tipo de ineficiências por parte dos auditores, sobretudo quando está em causa a certificação de grandes “players” industriais. Este é um dos motivos que levou a Acréscimo a sugerir maior transparência do processo, incluindo a visitação por terceiros de áreas florestais certificadas, sobretudo as que estão na posse ou são geridas por grandes operadores silvo-industriais.

Na sequência dos pedidos de esclarecimento sobre a aplicação de resíduos industriais em áreas florestais certificadas, temos tido conhecimento que, da parte do Ministério da Agricultura não existem manuais específicos para a aplicação destes resíduos em culturas florestais. Não são conhecidos estudos científicos independentes, que tenham por base áreas e culturas florestais nacionais, e que suportem tal aplicação.

Mais, estamos em crer que, nalgumas áreas sugeridas para visitação pela Acréscimo, terão decorrido entretanto visitas por parte de responsáveis de algumas Associações Ambientais. Mas, poderão ser estas últimas consideradas independentes neste domínio se, nas suas receitas, constarem apoios financeiros periódicos oriundos das entidades certificadas cujas áreas visitaram?

Importa ter presente que, nos dois principais sistemas de certificação florestal existentes em Portugal, nos seus órgãos dirigentes nacionais, se encontram a par representantes de grandes operadores industriais e das Associações Ambientais.

A fiscalização da aplicação de resíduos industriais em culturas agrícolas e florestais compete a organismos do Ministério da Agricultura. Essa fiscalização, sobretudo em áreas de grandes operadores silvo-industriais, tem sido efetiva e eficiente? Estão disponíveis relatórios respeitantes a estas ações?


A certificação florestal, sobretudo em áreas de grandes operadores silvo-industriais carece de transparência. Essa transparência, quando está em causa a gestão de centenas de milhares de hectares de floresta, tem de envolver entidades que estão para lá das que integram os sistemas de certificação, sejam organizações cívicas, organismos técnicos e autarquias, estas últimas na qualidade de representantes das populações locais, as que correm maiores riscos de serem afetadas por deficiências do processo de certificação florestal, sobretudo no que respeita à aplicação de resíduos industriais.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

Verão e incêndios florestais 2015

No início de abril foi anunciado pelo Governo o dispositivo de combate aos incêndios florestais para 2015. Mas, será que a solução para diminuir os efeitos causados por esta catástrofe estival nacional passa pelo seu combate, ou será que estamo-nos / estão-nos a enganar?

Hoje em dia, parece consensual a associação entre os riscos associados aos incêndios florestais, no que respeita à sua propagação, medida em área ardida, com a gestão dos espaços florestais. Ou seja, todos associam um maior risco de incêndio à ausência de gestão florestal.

Mas, o que é a gestão florestal? O conceito data de 1958 e corresponde à aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na administração de uma propriedade florestal. Às componentes comercial (sempre esquecida na aplicação do conceito) e técnica, associaram-se mais recentemente, a componente ambiental, para garante do respeito pelos mecanismos de sustentabilidade dos ecossistemas, e social, vinculada às condições de trabalho, de combate à escravatura, e ao bem estar das populações.

Não será difícil de aceitar, mesmo por aqueles que têm um maior afastamento ao meio rural, que a concretização de operações e técnicas de gestão florestal acarreta encargos. Será também fácil pressupor que tais encargos, em floresta privada, são suportados pelos rendimentos auferidos pela produção de bens, seja madeira, cortiça, frutos secos ou outros, ou pela prestação de serviços, como recreio, caça, paisagem, e mesmos os serviços ambientais, na proteção do solo, no controlo de cheias, no sequestro de carbono, entre outros.

O abandono ou ausência de gestão acaba por ser um modelo de gestão, sendo este adaptado às expetativas de rendimento de uma propriedade florestal.

O que talvez muitos não saibam é como funcionam os mercados de bens florestais, como funciona o mecanismo de formação dos preços dos mais expressivos bens de base florestal, e de qual a evolução histórica desses preços. Se os mercados funcionam em concorrência imperfeita, com o domínio por oligopólios protegidos pelo poder político, se os preços são unilateralmente impostos pela indústria, sem ter em conta os encargos de uma adequada gestão florestal, e se a evolução histórica dos preços à floresta privada tem gerado um declínio progressivo da atividade florestal, será que uma mera aposta em combate é racional? É-o em parte, mas numa ínfima parte. Contudo, caso não se mude de paradigma na visão sobre a floresta privada, o negócio do combate (a que alguns apelidam de “indústria do fogo”) terá sucesso assegurado no futuro.


Tendo por base o histórico de outros países do sul da Europa, sabe-se que:

Se a floresta privada gera rendimentos que permitam suportar uma gestão profissional, economicamente sustentada, ambientalmente sustentável e socialmente responsável, mesmo em situações extremas de monocultura, os riscos associados aos incêndios são substancialmente diminutos.

Se a floresta privada gera riqueza que serve de suporte, a par de outras atividades rurais, a subsistência digna das populações locais, mesmo em situações extremas de monocultura, os riscos associados aos incêndios diminuem substancialmente.

Logo, a solução parece ser simples: com negócio (verde) e pessoas, a floresta terá garantida a sua proteção. Sem a regulação dos interesses que inviabilizam esse negócio e sem um combate efetivo ao êxodo rural, as florestas continuarão a arder, e cada vez mais. Isto apesar de se aumentarem continuamente os dispositivos de combate aos incêndios florestais.


terça-feira, 17 de março de 2015

As coimas nas florestas – ignorância ou má fé?

O Governo tem feito circular pela Comunicação Social o resultado do seu desempenho na cobrança de coimas na falta de limpeza das florestas. Mas poderá ser este desempenho considerado como medida de promoção ao desenvolvimento florestal no País? Será a estratégia da coima seguida por ignorância ou por má fé?


Há algum tempo atrás, era notícia na Comunicação Social o empenho dos produtores de castanha no acompanhamento da produção dos seus soutos. Chegou a ser noticiado que tais produtores chegavam a viajar de avião, da diáspora, para monitorizarem no local a produção dos seus castanheiros. Pelo contrário, no que respeita ao pinhal bravo, as superfícies florestais com esta espécie tendem a ser abandonadas ou a serem reconvertidas para outros usos. Igualmente, é notório o crescente abandono da gestão dos eucaliptais nacionais, sobretudo em regiões de minifúndio. O que haverá de diferente entre o entusiasmo no castanheiro e o abandono do pinhal, e mesmo do eucaliptal? Ocorrerá esta diferença no comportamento da oferta, ou será consequência da situação vigente na procura?

Ao contrário do mercado da castanha, a procura nos mercados de madeira de pinheiro bravo e de eucalipto esta fortemente concentrada. Nestes dois últimos casos, grandes grupos industriais dominam, impondo unilateralmente os preços à oferta. Embora este seja um facto conhecido há longos anos, também é facto que este comportamento de domínio tem sido protegido pelas várias governações.

Mas, o essencial da questão ainda não fica por aqui. Enquanto o funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita vitima e favorece agentes económicos privados, embora no primeiro caso estejam centenas de milhares de famílias, o facto é que, em consequência, toda a Sociedade tem sido vítima. Não estão em causa apenas questões de natureza financeira, resultantes da quebra progressiva do rendimento líquido dos produtores florestais. Estão sobretudo em causa questões de natureza social, associados ao êxodo rural, na degradação da qualidade de vida, quer das populações rurais, mas também das urbanas, no emprego, com o encerramento de muitas pequenas e médias empresas de base local e regional, e questões de natureza ambiental, associadas à delapidação dos recursos naturais, à propagação de incêndios, à proliferação de pragas e de doenças, à perda de biodiversidade, á desregulação dos regimes hídricos e ao avanço de processos de desertificação, entre outros.

Se o negócio industrial não permite um rendimento na produção que sustente uma gestão florestal ativa, profissional e sustentável, tal negócio é nefasto ao País.


Sem um negócio florestal viável, seja do ponto de vista financeiro, mas também no domínio da sustentabilidade dos ecossistemas e da qualidade do emprego, não é possível custear uma adequada gestão florestal, com impactos na proteção da floresta nacional.

Os apoios públicos, por muito generosos que sejam, não substituem a regulação de mercados em concorrência imperfeita. O histórico dos apoios da Política Agrícola Comum (PAC) às florestas em Portugal é bem prova disso. Infelizmente, têm produzido desflorestação, menos emprego no setor, perda de valor económico da florestal e diminuição do peso do setor florestal nacional no Produto Interno Bruto (PIB). Resolver-se-á este problema com coimas a idosos e a ausentes? Ou, terão os governos competência para regular os “fortes”?


A culpabilização, em especial de migrantes e pensionistas, pela situação de declínio progressivo das florestas portuguesas é uma inequívoca manifestação de incompetência governativa. Será essa incompetência resultante de ignorância ou de má fé? Importa ter em conta que, ao proteger sistemática e conscientemente interesses financeiros a jusante das florestas, permitindo que os mercados funcionem em concorrência imperfeita, a dúvida dissipa-se. Em todo o caso, importa que a Sociedade tenha presente que essa incompetência tem tido elevados custos na economia nacional e no território, seja no plano social, seja no ambiental.


sexta-feira, 13 de março de 2015

O Presidente e as florestas

O Presidente da República, numa recente deslocação à região Centro, manifestou a necessidade de empenho dos Portugueses para com as florestas. Não haverá muito a comentar, para além do realce a dois pormenores: um sobre o real empenho dos Portugueses e o outro sobre o retorno desse empenho.


Porventura, o senhor Presidente da República está mal assessorado. Os Portugueses têm dado um importante contributo para as florestas. Muito para além da participação de muitos cidadãos em ações de voluntariado, importa realçar o contributo dos contribuintes no cofinanciamento ao investimento florestal, seja através do esforço em sede de fundos da Política Agrícola Comum, seja do Orçamento do Estado. Desde a adesão à União Europeia, o contributo tem envolvido centenas de milhões de euros provenientes dos nossos impostos. Mais, os Portugueses demonstram o seu empenho para com as florestas portuguesas a cada deslocação a um posto de venda de combustíveis líquidos, no regular abastecimento das suas viaturas. Seria aliás legítimo um agradecimento público, por parte dos decisores políticos, por estas evidentes provas de empenho. Enquanto contribuem para as florestas, os cidadãos deixam para segundo plano outros investimentos, incluindo as necessidades das suas famílias.

O segundo pormenor prende-se com o retorno deste empenho dos Portugueses. Com os mercados de produtos florestais em manifesta concorrência imperfeita, será que esse empenho tem tido resultados positivos? O diagnóstico realizado às florestas e ao setor florestal nas últimas décadas está longe de o comprovar, seja no plano económico, seja no social e no ambiental. Centenas de milhões de euros de empenho dos Portugueses geraram um retorno de menos área florestal, florestas cada vez mais degradadas, decréscimo do peso do setor no PIB (que já de si não tem tido uma evolução brilhante), muito menos postos de trabalho no setor, mais emissões de dióxido de carbono decorrente dos incêndios florestais, menos biodiversidade, recursos naturais cada vez mais delapidados. Esse empenho, para além de mais incêndios, mais pragas e doenças, maiores áreas com espécies invasoras, contínuo êxodo rural, tem assistido ao crescimento de oligopólios que cativam importantes somas em benefícios fiscais e que, a qualquer momento encontrarão motivos para se deslocalizar, mas nós ficaremos com o território, esse não se deslocaliza.

Tudo indica pois que os problemas que envolvem as florestas em Portugal não se resolvem apenas pelo empenho dos Portugueses. Ou melhor, talvez esse empenho tenha de ser redirecionado. Não tanto no cofinanciamento ao investimento florestal, através dos seus impostos e das taxas que lhes são cobradas, nem mesmo no seu empenho em ações de voluntariado, em plantações esporádicas de arvorezinhas, mas talvez pela exigência de mercados transparentes e a funcionar em concorrência perfeita. Talvez este último empenho tenha resultados decisivamente positivos.