terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ministério falha o cadastro rústico.


De acordo com teor da entrevista ao secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, ontem publicada no “Público”, a Acréscimo lamenta o retrocesso do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), no que respeita à realização do cadastro rústico em Portugal.

O cadastro é estruturante para o País, fundamental para a prossecução de políticas de ordenamento do território, mas também essencial à concretização das medidas e dos instrumentos de política florestal.


Efetivamente, a conclusão e atualização do cadastro da propriedade rústica, sobretudo em explorações com superfícies florestais é considerada ação prioritária, conforme o disposto na alínea f) do art.º 21.º da Lei n.º 33/96 – Lei de Bases da Política Florestal.

Importa realçar que o secretário de Estado chegou a afirmar publicamente, em abril último, ser fundamental possuir um cadastro da propriedade pública. Um país que não conhece o seu território sente muito mais dificuldades em geri-lo e em atuar contra as adversidades. Mais, o secretário de Estado Daniel Campelo, frisou ser inadmissível que não exista um cadastro de propriedade rústica, concluindo que se esta proposta não for desenvolvida nestes quatro anos será considerado um falhanço.

Ora ontem, ao Público, o mesmo secretário de Estado, meio ano volvido, afirma: Espero que este governo consiga, pelo menos, dar início a esse processo.

Lamenta-se assim o assumido falhanço do MAMAOT.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A estratégia empresarial do grupo Portucel Soporcel e a política florestal do Governo: serão uma e a mesma coisa?


1. Em maio último, o grupo Portucel Soporcel fez saber, através de notícia publicada num jornal diário, fazer depender de 40.000 hectares de eucaliptal a sua intenção de investir 2 mil milhões de euros, com a criação de 15.000 mil postos de trabalho. Na atual crise económica, qualquer notícia de investimento, mais ainda com a propagandeada criação de milhares de postos de trabalho, é como pão para a boca. Importa pois avaliar da condição para a concretização deste investimento, os 40 mil hectares de eucalipto.

2. Por sua vez, o Ministério da Agricultura, também do Ambiente, quase em simultâneo à demonstração de intenção do grupo empresarial, coloca para discussão pública uma proposta de alteração legislativa à regulamentação sobre a ações de arborização e rearborização com espécies de rápido crescimento, nas quais se incluem espécies florestais dos géneros Eucalyptus, Populus (choupos) e Acacia. A referida proposta visa essencialmente a alteração ao disposto no Decreto-lei n.º 175/88, de 17 de maio. Em causa está a dispensa de autorização prévia, pelo recém-criado Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), das ações de (re)florestação com estas espécies em regiões de minifúndio.

Será coincidência? Estatisticamente é muito difícil comprovar que existe uma relação causal entre duas variáveis pois correlação não significa necessariamente causalidade. É necessário realizar testes empíricos para chegar a uma conclusão de causa e efeito.



Comprovada ou não uma relação causal entre o anúncio, ou reivindicação, do grupo Portucel Soporcel e a iniciativa do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, há contudo questões que importa colocar:

Será que o País sai a ganhar com mais uma campanha de massificação agroflorestal, desta vez não com o trigo, como ocorreu a partir de 1938, não com o pinheiro bravo, como relata Aquilino Ribeiro no romance “Quando os Lobos Uivam” de 1958, ambas em período de Estado Novo, mas agora com uma espécie exótica?

Será que, perante a atual crise económica, a carência de emprego e a necessidade de aumentar o valor bruto das exportações, faz valer tudo? Existe uma efetiva análise custo/benefício? Para quem emprega atualmente cerca de 2.300 colaboradores, com unidades de produção de pasta celulósica e de papel, como consegue incorporar mais 15.000 novos postos de trabalho? Será mera propaganda?

Analisando as exportações pelo seu valor líquido, ou seja subtraindo ao seu valor bruto os custos da depreciação dos recursos naturais, sairá o País a ganhar com uma campanha do eucalipto?
  
Foram estudadas alternativas à satisfação das atuais ou futuras necessidades da indústria transformadora de pasta celulósica e do papel, que não passem pela massificação da cultura do eucalipto em minifúndio sem gestão florestal ativa?

Qual o impacto efetivo da campanha do eucalipto em Meio Rural? No emprego nas aldeias, vilas e cidades do Interior, na qualidade de vida dessas populações (o êxodo rural não se consegue estancar), no rendimento dos proprietários rurais (em declive progressivo, segundo o INE), nas empresas locais, e ao nível dos recursos naturais endógenos, na conservação dos solos, na qualidade e na quantidade de água, na biodiversidade, ou na propagação dos incêndios florestais?

Com certeza, o Ministério terá resposta a estas questões, já que, coincidentemente ou não, parece estar a providenciar os meios necessários a prossecução da estratégia empresarial do Grupo Portucel Soporcel.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Carta Aberta à Ministra da Agricultura e do Ambiente.



Exma. Senhora Ministra,

Em simultâneo ao anúncio noticioso do grupo Portucel, em maio último, onde se menciona que a empresa faz depender um investimento de 2 mil milhões de euros (anúncio similar havia sido antes publicado, mas no Brasil), com a criação de 15 mil postos de trabalho, de 40 mil hectares de eucaliptal, o Ministério coloca à discussão pública uma proposta de alteração legislativa às ações de (re)florestação com espécies de rápido crescimento, onde tem expressão incontestada o eucalipto. Porventura tratar-se-à de uma estranha coincidência, ou talvez não, aspeto que, em nome da transparência e da independência do Estado face a interesses acionistas, importa esclarecer. Reconhecendo que o grupo Portucel exporta 95% da sua produção, que representa 3% das exportações portuguesas de bens e quase 1% do PIB, também é certo que, só em 2010 e 2011, recebeu do Estado cerca de 50 milhões de euros em benefícios fiscais, não tendo a Acréscimo, até ao momento, obtido dados sobre os montantes e a avaliação da utilização de fundos públicos por este grupo empresarial, antes e após a privatização.

Tendo o eucalipto lugar nos espaços florestais nacionais e assumida a concordância quanto à necessidade de simplificação de procedimentos burocráticos, a proposta como apresentada pelo Ministério merece-nos as maiores reservas, sinteticamente distribuídas pelas cinco vogais:

Avulsa – A proposta do MAMAOT respeita apenas ao início do ciclo de produção florestal. Então, quais as garantias de que os povoamentos criados vão chegar ao final do seu ciclo (ao fim de 12-15 anos)? Ou seja, quem garante que está mitigado o risco de arder por falta de adequada gestão florestal?

Extemporânea – Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), faz sentido moldar uma peça do puzzle, quando todo o puzzle está em análise? Mais, se o resultado desta avaliação está anunciado, pelo Ministério, para o o tempo presente (setembro/outubro), porque surge antes uma proposta pontual, logo em maio.

Irresponsável – Sem garantia (contratualizada) de subsequente gestão florestal, toda e qualquer (re)florestação tem um risco acrescido de incêndio florestal, logo potenciador da perda de bens pelo próprio responsável pela (re)arborização, mas também e fundamentalmente os de terceiros, de toda a Sociedade pelo impacto dos incêndios ao nível dos solos, da água e das violentas emissões de carbono, bem como na perda de dinheiros públicos (concretamente no combate), hoje tão escassos. Ora, os eucaliptais tem um elevado risco de combustibilidade, são fortes candidatos, quando não geridos, a promover a “indústria do fogo”.

Opaca – Se a intenção que está na base da proposta é o reforço das exportações, fator fundamental para a alavancagem da economia nacional, importa esclarecer que eventuais arborizações a partir de 2013, só disponibilizarão rolaria de madeira para pasta celulósica e papel a partir de 2025 e 2028, altura em que se espera que o País já não esteja sob resgate internacional. Pressupõe-se assim que a arborização com eucalipto não dará resposta atempada à atual crise. Mas, a beneficiação dos eucaliptais existentes, visando um sustentável aumento da produtividade (onde a atual média nacional não evolui desde 1928, situando-se nos 10 metros cúbicos por hectare e por ano), já poderá produzir resposta favorável no curto e médio prazo. Porque não esta via? Haverá algo mais em jogo?

Unidirecional – Face ao carácter específico da iniciativa legislativa, independentemente da intenção, propositada ou não, do Ministério, o facto é que a sua iniciativa favorece única e incompreensivelmente uma fileira do setor florestal, subestimando as demais, designadamente a da cortiça e a da madeira e mobiliário.

Sendo comprovado que no setor florestal predominam relações win-lose, visíveis nas estatísticas do INE, com evidente monopólio (ou oligopólio) industrial, a proposta legislativa do Ministério não acautela os interesses de quem menciona querer “livrar” da atual carga burocrática, os agricultores e proprietários florestais. Ou seja, ao contrário do que ocorreu na Campanha do Trigo, de 1938, agora o Ministério não disponibiliza apoio à gestão florestal, nem acautela um justo acesso aos mercados por parte dos potenciais produtores de eucalipto. Evidencia-se sim uma resposta a anunciados interesses da indústria (conforme notícia no Jornal I, de 15 de maio último), sem salvaguardar a Lavoura (apesar das manifestações políticas do CDS-PP serem a favor da defesa desta última). Anunciada a PARCA para o setor agroalimentar, o Ministério abstém-se de responsabilidades na regulação dos mercados de produtos florestais, apesar das múltiplas evidências de concorrência imperfeita.

Outros aspetos fundamentais para o setor florestal, apesar de constarem no programa do Governo, têm sido pouco evidentes quanto à sua concretização. A realização e atualização do cadastro rústico é um desses aspetos. Como tem sido apanágio no passado, estará aqui o Ministério também a encanar a perna à rã?

Quanto á Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), a respetiva avaliação tem registado uma morosidade do tipo “obra de Santa Engrácia”. Será propositada? Espera-se que tal não sirva de justificação a mais iniciativas avulsas, extemporâneas, irresponsáveis, opacas e unidirecionais. A avaliação da EFN é fundamental para o planeamento da utilização dos fundos da PAC 2014/2020, bem como do Fundo Florestal Permanente, evitando assim os maus exemplos do passado e a perda de milhões de euros.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Insustentabilidade da Floresta Portuguesa (1).


As fileiras silvo-industriais portuguesas vivem, desde os anos 90, uma situação de subaproveitamento e de sobre-exploração dos recursos florestais, assistem à crescente concentração no setor industrial, com claro prejuízo da actividade silvícola, e espelham fortes indícios de insustentabilidade.

Se por um lado, na análise das Estatísticas Agrícolas de 2011, disponibilizadas recentemente pelo INE, a balança comercial portuguesa dos produtos florestais apresenta um “saldo fortemente positivo” no período 2006/2011. Por outro, na análise das Contas Económicas da Silvicultura 2010, também publicadas pelo INE, o período entre 2000 e 2010 ficou marcado por um “declive progressivo da atividade silvícola”. Ou seja, ao win industrial está associado um lose na silvicultura.

No período 2006/2011 foram registados sucessivos excedentes comerciais que evoluíram a um ritmo médio anual de 38%. A melhoria do saldo comercial foi particularmente acentuada nos últimos dois anos deste período, quase duplocando entre 2009 e 2010 (+89%), aproximando-se dos 2 mil milhões de euros em 2011 (+48%, face a 2010). A taxa de cobertura das importações pelas exportações foi de 191% em 2011, tendo aumentado 69% face ao ano de 2006. Ainda de acordo com o INE, em relação a 2011, as exportações de produtos florestais mostraram-se particularmente vigorosas, tendo aumentado 21% face a 2010. Para esta expansão contribuíram praticamente todas as indústrias do setor, destacando-se como as principais impulsionadoras a indústria de papel e cartão e a indústria da cortiça, que representam em conjunto 59% do valor total das exportações de base florestal.

Já no período 2000/2010, no que respeita ao Valor Acrescentado Bruto (VAB), em 2000 atingiu o valor máximo da década, tendo terminado em 2010 com um valor real de -19,2%. Ao longo deste período o VAB decresceu em termos médios anuais, -2,1% e -3,2%, em volume e em valor respetivamente. No que respeita ao peso relativo do VAB da silvicultura no VAB nacional, verificou-se uma perda de importância desta atividade na economia portuguesa. Em 2000, o VAB da silvicultura representava 0,8% do VAB nacional, tendo diminuído para metade em 2010 (-50%). Em 1990, o peso era de 1,2%. A produção florestal apresentou, entre 2000 e 2010, uma taxa de variação média anual de -2,0% em volume e de -2,3% em valor, o que refletiu o efeito da diminuição dos preços no produtor. Por seu lado, o custo dos meios de produção teve um impacto bastante negativo na atividade silvícola (+7,1%), dado que a evolução dos preços da produção não acompanhou o aumento daqueles, em particular o custo da energia. Refletindo o comportamento da produção e do VAB, o Rendimento Empresarial Líquido registou no período um decréscimo acentuado, superior a -250 milhões de euros.

O evidente desequilíbrio nas fileiras, entre indústria e produção, aporta consequências negativas não só para a atividade silvícola, para as centenas de milhar de detentores dos espaços florestais, mas também têm forte impacto ao nível da Conservação da Natureza (nos solos, na água, na fauna e flora), do Ambiente (p.e., com as emissões decorrentes dos incêndios, avanço da desertificação), no Desenvolvimento Rural (êxodo rural e despovoamento das zonas raianas) e logo para o desenvolvimento sustentável da Sociedade Portuguesa.

Efetivamente, o “declive progressivo da atividade silvícola” é a consequência da forte quebra de expectativas de negócio de grande parte das centenas milhar de proprietários florestais privados, esmagadoramente com explorações de minifúndio e descapitalizados, sendo responsável pela adoção de formas de gestão tecnicamente inadequadas, usualmente designada por absentismo, assumidas no sentido de evitar maiores prejuízos financeiros familiares.

O comprometimento da rentabilidade silvícola inviabiliza uma gestão ativa e sustentável nos espaços florestais, condiciona o ordenamento florestal e aporta riscos bem conhecidos, como uma mais fácil propagação dos incêndios florestais e a proliferação de pragas e doenças.

O relacionamento egoísta da indústria para com a produção silvícola, compromete fortemente o investimento florestal. Disso são exemplo os ridículos resultados evidenciados pelo PRODER, nas medidas de apoio financeiro às florestas (PAC 2007/2013), com uma taxa de execução física abaixo dos 15%, apesar da possibilidade de atribuição de subsídios não reembolsáveis a taxas de 50 e 60%.

Perante isto, o Estado subjuga-se e premeia a indústria:
  • Ao criar uma “Campanha do Eucalipto”, todavia, ao contrário da Campanha do Trigo, de 1938, sem garantias de apoio técnico à produção, nem regulação dos preços). A iniciativa aparece ligada á pressão da indústria para o fomento de mais 40 mil hectares de eucaliptal, com previsíveis impactos ambientais nefastos. Isto, apesar de serem evidentes os indícios de crescente abandono de gestão nos eucaliptais (decréscimo de rentabilidade) e, por outro, da produtividade média por hectare nos eucaliptais nacionais se situar a valores de 1928 (10 metros cúbicos/hectare/ano);
  • Com a isenção de dezenas de milhões de euros em impostos (p.e., em 2010 e 2011, segundo dados tornados públicos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, só a Portucel auferiu cerca de 50 milhões de euros em Benefícios Fiscais); e,
  • Sobretudo por se esquivar à regulação dos mercados de produtos florestais, apesar do inequívoco desequilíbrio entre as partes envolvidas, das evidências de monopólio e de concorrência limitada, bem como sem ter em conta que a quebra de expectativas na atividade silvícola gera fortes impactos no Desenvolvimento Rural, no Ordenamento do Território e no Ambiente.

Ao invés de apostar na regulação dos mercados, o Estado parece conviver bem com a importação anual de 2 milhões de metros cúbicos de material lenhoso de risco incerto, muito embora o País disponha de 2 milhões de hectares abandonados e semi-abandonados.